Midnight Oil e as questões sociais

 

Certamente não foi à toa que a banda Midnight Oil abriu o show em São Paulo, no último dia 29, dia seguinte à greve geral no país, com a música “Blue Sky Mine”. Aliás, a banda australiana já nasceu comprometida com as questões sociais e conquistou espaço e uma legião de fãs em todo mundo na inconfundível voz de Peter Garrett, hoje com inacreditáveis 63 anos de idade.

“A música é a estrada para mudanças políticas”. (Peter Garrett)

E que show foi aquele! Impressionante a vitalidade e a voz desse cara ímpar, e o melhor é que não foi um mega evento, daqueles em estádios, que nem se consegue enxergar o palco, estava tudo muito próximo e intimista, mal dava pra acreditar que eles estavam ali na frente de nós!

Esses caras fizeram a diferença na vida de muita gente, principalmente de adolescentes, como eu, no final dos anos 80. Como esquecer do protesto em frente ao prédio da Exxon, em Nova Iorque, logo após um dos maiores desastres ambientais da história, com o derramamento de óleo do navio Exxon Valdez na costa do Alasca, em 24 de março de 1989?

 

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Desde os direitos trabalhistas, às causas ambientais até à situação dos aborígenes em seu país (muito semelhante às nossas indígenas, diga-se de passagem), foram temas sempre presentes nas letras da banda, e o que mais me impressionou foi exatamente perceber que elas nunca foram tão atuais!

“É bastante impressionante descobrir agora que as palavras e algumas das músicas foram escritas muito mais para hoje do que para antes”. (Peter Garret)

Nos anos 2000, Peter Garrett abraçou a política, foi membro do Parlamento Australiano, Ministro do Meio Ambiente, Herança e Arte Indígena e, em seguida, Ministro da Educação e Juventude, na gestão do Partido Trabalhista de lá, onde ficou até 2013.

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peter garrett no parlamento australiano | imagem: abc.net.au
peter garrett em show | imagem: the herald

Posicionamento político

Confira alguns trechos da entrevista do cantor ao jornal Zero Hora de Porto Alegre:

ZH: Ainda que as músicas do Midnight Oil, que você considera atuais, falem sobre problemas e aspectos negativos do mundo — como Beds Are Burning, que aborda a situação dos povos nativos da Austrália, ou Put Down That Weapon, que critica a guerra — você parece bastante otimista. Você acha que o mundo melhorou?

PG: Não acredito que as coisas sejam tão lineares. O que quero dizer é que não acredito que a vida, a história, o progresso andem de maneira reta. É um vaivém. Acho que funciona como um rio, que sobe, desce, acelera e diminui seu ritmo de acordo com diversas influências externas. As coisas só andam em uma direção saudável se as pessoas colocam suas almas naquilo, se estão envolvidas e organizadas, falando, fazendo música, trabalhando nas ruas, construindo comunidades, seja o que for. As conquistas da história humana, as coisas positivas que nós alcançamos, no longo prazo, foram ganhas por pessoas sendo ativas, e não passivas. Olhando no curto prazo, como hoje, nós podemos falar “tem algo terrível aqui, tem algo terrível lá”, mas isso significa que tudo está terrível? Claro que não. Isso significa que, neste momento da nossa história, temos mais trabalho a fazer.

ZH: E você acha que tais coisas terríveis têm acontecido com mais frequência atualmente?

PG: Acho que não mudou muito. Sempre foi uma luta e, de certa forma, nós, por causa da comunicação moderna, da mídia, da internet, podemos ver mais o que está acontecendo. A mídia sempre apresenta o lado ruim, nós nunca vemos o lado bom. Se olharmos para algo como a pobreza mundial, diríamos que está bom. Melhorou em relação a 15 ou 20 anos atrás. Se olharmos para a educação, posso entender que, globalmente, está bom. Não está perfeito, tem muitas coisas a melhorar, mas é muito melhor do que era. Você tem de construir as mudanças a partir dessas pequenas vitórias.

ZH: Durante grande parte de sua carreira política, você foi filiado ao Labor Party, o partido trabalhista da Austrália. O Partido dos Trabalhadores brasileiro teve quatro mandatos presidenciais, e o último foi interrompido por um impeachment. Fala-se muito em uma guinada à direita acontecendo globalmente. Você considera que parte da explicação para esse fenômeno pode ter a ver com problemas da própria esquerda em resolver problemas enquanto esteve no poder?

PG: É uma boa pergunta, e eu não acho que ela tenha uma resposta simples. Em alguns lugares, acho que a resposta é sim. Em outros, acho que a resposta tem mais a ver com o que podemos descrever como neoliberalismo. O neoliberalismo não foi reformulado substancialmente por forças progressistas de esquerda. Nos EUA, a esquerda optou por desviar seu caminho e apostar na política de identidade: passaram a se preocupar em demasia com questões de gênero, feminismo, cultura. Não estou dizendo que essas questões não são importantes, elas são, mas acho que se perdeu de vista a questão mais importante, que tem a ver com igualdade, equidade e justiça. Se as pessoas sentem que o sistema falha, elas seguem para outra direção. Os partidos de esquerda têm a responsabilidade de promover reformas no que diz respeito a impostos, a investimentos, a benefícios. Se os partidos têm elementos de corrupção, são fracos enquanto governo, se parecem querer estar no poder apenas pelo poder, eles falham.

ZH: É um discurso que parece se encaixar na realidade brasileira.

Acho que esses padrões não são exclusivos de um país ou outro. Outra coisa é que, para cidadãos normais e pessoas que querem contribuir para questões que consideram importantes, é crucial não perder a fé. Me arrisquei na política, e algumas partes foram difíceis e feias, outras partes foram ok, mas outras partes foram boas. Ainda assim, tenho metade do país que não gosta de mim. Quando você é um músico, é mais fácil: todo mundo gosta de você (risos).

ZH: Mas qual é a maneira mais produtiva de promover mudanças: a política ou a música?

Nenhum é mais poderoso do que o outro, cada um tem seu papel. Se você quer mudar o sistema de impostos, se você quer leis fortes para proteger o ambiente, se você quer ter certeza de que haja um sistema de saúde público eficiente, você precisa de políticos. São as pessoas que fazem as mudanças, e não ritmos. Não é um samba, um banjo ou uma guitarra… Mas — e um “mas” com M, A e S maiúsculos — a música é a trilha sonora, a estrada para a mudança política e social, e às vezes é a música que leva as pessoas para um estado diferente, para um estado em que são melhores e mais fortes. São pessoas que fazem a mudança, os músicos podem estimular essas mudanças, mas essas mudanças têm que acontecer por meio dos políticos, que as põem em prática. E estou falando de políticos em todos os formatos e maneiras. Estou falando de organizações locais, grupos escolares, ONGs, o parlamento, a palavra que você quiser usar…

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E como não amar esse homem? Só sei que depois desse show não consegui mais tirar algumas músicas da cabeça, as letras ficam ali, martelando e te cobrando alguma coisa, um posicionamento, uma atitude. Letras que falam sobre equidade, sobre justiça social e meio ambiente, mas acima de tudo sobre respeito, respeito à vida, às pessoas e aos que estão à margem dessa nossa sociedade injusta e cruel.