Ovos: você sabe o que come?

Não é de hoje que passamos a ver o nosso alimento com outros olhos (pelo menos deveríamos), já que o acesso às informações nos permitiu conhecer com mais clareza os processos produtivos e também a escolher melhor o que comemos.

Aposto que todos já ouviram alguém dizer: “Mas eu comi isso a vida inteira e estou aqui!”, não é mesmo? Sim, estamos todos vivos, mas com a melhor saúde que poderíamos ter? Disso já duvido. Nos anos 80, quando eu era criança, nossos pais nos alimentavam com o que eles consideravam saudável, eles simplesmente não sabiam, pois confiavam ingenuamente nos produtos industrializados que vendiam saúde em meio a corantes e açúcares. Eu mesma tomava leite com Nescau todos os dias e ainda o adoçava! Comíamos cada tranqueira e sim, éramos muito felizes, mas hoje sabemos como funciona a indústria alimentícia, a produção agrícola cheia de agrotóxicos e, definitivamente, não queremos isso para os nossos filhos!

E foi nessa curiosa busca pela qualidade do que botamos em nossa mesa que nos assustamos logo com ele, o aparentemente inofensivo ovo.

 

Sobre a produção convencional

Após ir atrás de muita informação, ficou claro que a produção convencional de ovos não é apenas a mais cruel com as aves, como também é a que fornece um dos alimentos menos saudáveis para o consumidor. Não tem como uma galinha que vive durante um ano e meio dentro de uma gaiola menor que uma folha de sulfite, tomando antibiótico, sofrendo mutilação e comendo ração cheia de pesticidas possa produzir um ovo saudável! E como um alimento que provém de um bicho de vida miserável pode ser bom para quem o consome? A resposta é simples: não pode.

Você sabia que nas granjas de galinhas poedeiras (as que põem ovos) todos os pintinhos machos (50%) são mortos no dia seguinte ao nascimento por serem dispensáveis nessa cadeia produtiva? E sabe como eles descartam os bichinhos? Eles são jogados em grandes galões nos quais morrem asfixiados e/ou amassados pelo peso uns dos outros. Depois são direcionados por esteira até uma sala no qual vão, ainda vivos, para um moedor. Ainda não é comum encontrar produtores que usem gás para desacordá-los. O produto final do massacre vira ração para cães e gatos.

Como diz o especialista em aves, Romeu Mattos Leite, a galinha no sistema convencional vive por cerca de 18 meses (ou menos, o que determinará seu abate para virar farinha de aves é a produtividade, ou quantos ovos bota) em um gaiola com “espaço do tamanho de uma capa de CD, sem poder abrir as asas ou dar uma volta em torno do próprio eixo”. Ali, seus dias são comer, evacuar e botar ovos com as patas em contato direto com as grades da gaiola: em muitas não há nem um piso nivelador. As dimensões minúsculas servem tanto para empilhar mais animais por metro quadrado quanto para economizar comida, visto que um bicho que não se mexe não consome energia.

 

galinhas poedeiras engaioladas na produção convencional | imagem: cpt

Ah, ainda não falei sobre a debicagem, né? Pois é, como desgraça pouca é bobagem, os pintinhos fêmeas que sobrevivem têm seus bicos cortados em duas fazes da vida, conforme descrito em cartilha para produtores de aves:

“A debicagem deve ser feita para manter a uniformidade do lote, além de prevenir o canibalismo e evitar o desperdício de ração. Esta deve ser realizada primeiramente entre 7 e 10 dias de idade, aproveitando o fato de que as pintinhas estão no círculo de proteção o que facilita apanhá-las. Uma segunda debicagem deve ser feita entre 10 e 12 semanas, em condições normais de criação. Na primeira debicagem retira-se 1/3 do bico, enquanto que no segundo corte deve ser realizado de forma que o bico superior fique com um comprimento entre 5 e 6 mm à partir das narinas.”.

Essa amputação, tida como normalíssima no Brasil, já é proibida em vários países por ser considerada mutilação e expor o bicho a dores constantes. “Na Europa, o uso de gaiolas de bateria não é mais permitido e a debicagem com lâmina quente também é proibida na maioria dos países”, disse Lizie Buss. coordenadora da Comissão de Bem-Estar Animal (CTBEA) do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa).

Ovo convencional, orgânico e caipira

O ovo convencional é proveniente de granjas que trabalham com o sistema de baterias, onde as galinhas vivem cerca de um ano e meio em gaiolas, tomam diversas doses de antibióticos (o que desencadeia o aparecimento de superbactérias), têm o bico cortado, comem apenas ração composta majoritariamente por soja, milho, vitaminas e minerais (que devido a pobreza dos itens naturais, precisam ser adicionados), não existe a presença de galos e quando param de produzir no seu ápice, são abatidas para virar farinha de ave.

No ovo caipira, as galinhas precisam ser de linhagem exclusiva para esse fim, criadas em sistema livre de gaiolas e com acesso a áreas externas e sol. Não existe debicagem. São alimentadas com ração constituída por ingredientes preferencialmente de origem vegetal (além de insetos, minhocas e pequenos répteis), sendo proibido o uso de antibiótico. Apenas linhagens ou raças de aves de crescimento lento (superior a 70 dias) serão aceitas com esta denominação.

No ovo orgânico, as galinhas são criadas soltas, com acesso irrestrito à área externa, alimentado-se de ração de grãos orgânicos (dieta que pode ser complementada por de frutas, legumes e verduras orgânicos), sem uso de antibióticos e sem debicagem. É possível haver a presença de galos para que manifestem seu comportamento natural.

Mudança de hábitos

Hoje, em casa, só compramos os ovos caipiras ou orgânicos. Já faz um tempo que resolvemos dar ao alimento que consumimos a importância e o peso que ele merece em nossas vidas, coisa que fomos condicionados o tempo todo a não fazer, a buscar pelo que é mais barato, cegamente, sem qualquer informação de sua procedência ou de como chegou até nós.

A marca Korin produz e comercializa produtos orgânicos, eles têm uma loja perto de casa, na Vila Mariana, em São Paulo, onde compramos ovos, frango e carne a preços bem justos. Mas, graças ao aumento da procura, hoje já é fácil encontrar ovos caipiras na maioria dos mercados e quer saber? Vale muito a pena! Fora tudo que foi dito, a aparência de um ovo saudável é incrível e você tem a certeza que está consumindo um alimento de verdade, com todo o seu valor agregado, inclusive o moral.

O vídeo a seguir, filmado na Yamaguishi Orgânicos e produzido pelo canal de jornalismo gastronômico #PorTrasDaKg, mostra um excelente resumo de todo esse processo inadequado e cruel que é a produção convencional de ovos no Brasil:

 

Fonte: Gastrolândia